O Brasil nunca teve um número tão grande de médicos. Em janeiro de 2018, os profissionais em atividade totalizavam 452.801. Se considerarmos que em 1970 eram 58.994 médicos, o crescimento foi de 767% neste intervalo. A população, entretanto, cresceu pouco mais que o dobro. Éramos 94 milhões de pessoas em 1970, e hoje somos 207 milhões.

A razão nacional, atualmente, é de 2,18 médicos por mil habitantes, número aparentemente positivo, já que a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza como parâmetro ideal de atenção à saúde da população a relação de um médico por mil habitantes. A realidade, porém, é outra. A população continua com dificuldades no acesso graças à má distribuição destes profissionais. O Sudeste segue sendo privilegiado neste sentido: são 2,81 médicos por mil habitantes, contra índices de 1,16 no Norte e 1,41 no Nordeste, por exemplo.

Essa e outras reflexões podem ser feitas a partir da Demografia Médica 2018, realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – com apoio institucional do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional do Estado de São Paulo (Cremesp) – w divulgada na última terça-feira, 20 de março. O levantamento foi coordenado por Mário Scheffer, que também utilizou dados da Comissão Nacional de Residência Médica e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outras instituições.

Para o ex-presidente e atual diretor Administrativo da Associação Paulista de Medicina (APM), Florisval Meinão, é evidente que o poder público continua se preocupando muito com o número de profissionais, e que esse não é o verdadeiro problema. “Formam-se médicos em excesso, mas não existem políticas públicas de Saúde para distribuir os profissionais e os alocar em regiões onde são necessários. O profissional acaba ficando nos grandes centros, é natural. Também é necessário que haja reflexão sobre a qualidade da formação. Muitas escolas médicas, sobretudo as novas, oferecem uma formação muito deficitária. Nos preocupa a qualidade dos médicos que atenderão a população no futuro”, argumenta.

Má distribuição regional
Entre todos os estados, o Distrito Federal tem a razão mais alta de médicos, com 4,35 por mil habitantes. Rio de Janeiro (3,55), São Paulo (2,81), Rio Grande do Sul (2,56), Espírito Santo (2,40) e Minas Gerais (2,30) vêm na sequência. Além disso, 54,1% dos médicos estão no Sudeste (que tem 41,9% da população) e 15,2% estão no Sul (com 14,3% dos brasileiros).

Na outra ponta, os índices mais preocupantes envolvem os estados do Norte e do Nordeste. Neste, vivem 27,6% dos brasileiros, mas apenas 17,8% dos médicos estão lá. O Maranhão apresenta a pior razão entre todas as unidades federativas do País: 0,87 médico a cada mil habitantes. Em números absolutos, são 6.096 profissionais para uma população de pouco mais de 7 milhões de pessoas.

A região Norte é igualmente afetada pela má distribuição. Com 8,6% da população, possui apenas 4,6% dos médicos. São alguns os estados que seguem o Maranhão na rabeira do ranking de razão médicos/habitantes: Pará (0,97), Amapá (1,05), Acre (1,16) e Amazonas (1,16).

“Os dados demonstram que o quadro não mudou. A distribuição dos médicos continua péssima, pois a maioria se concentra nas regiões Sul e Sudeste, que têm índice de médicos compatíveis com os de países de primeiro mundo. Fica, então, evidente a falta de condições que o Governo tem para a descentralização desses profissionais. Eles não estão em regiões mais carentes pela falta de condições adequadas de trabalho”, opina Roberto Lotfi Júnior, vice-presidente da APM e conselheiro do Cremesp.

Em sua leitura, a situação só mudará quando o Governo passar a ouvir as entidades médicas, como a APM, que há muito tempo propõem a criação de uma carreira de Estado para o médico, de modo que ele possa ir inicialmente aos lugares mais carentes e depois ascender aos grandes centros. “Os números reafirmam nossa demanda, no sentido de que não adianta abrir escolas médicas indiscriminadamente. São necessárias condições de trabalho e uma carreira estruturada”, conclui.

Presença feminina
As mulheres já são maioria entre os médicos jovens. Elas representam 57,4% dos profissionais até 29 anos de idade e 53,7% naqueles que estão entre 30 e 34 anos. O crescimento é massivo também na análise da série histórica. Em 1970, as mulheres representavam apenas 15,8% da classe. Após quase 50 anos, a relação está muito mais equilibrada: são 54,4% de homens, contra 45,6% de mulheres.

“Notamos que esse crescimento foi realmente a partir dos grandes movimentos de inserção da mulher na política, nas atividades econômicas do País, no mercado de trabalho etc. Coincidiu com essas manifestações em prol da emancipação da mulher na década de 1970. De maneira que hoje temos praticamente uma equiparação. A diferença vem diminuindo a cada ano que passa”, avalia Maria Rita Mesquita, vice-presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).

Segundo ela, isso mostra que as mulheres estão efetivamente ocupando espaços novos, não somente na Medicina, mas em todos os âmbitos. “Elas estão mostrando que são tão ou mais capazes do que os homens para ocupar posições de destaque. Esses dados atuais mostram numericamente o poder que a mulher médica tem, preenchendo cada vez mais posições na Medicina”, afirma.

Corrobora a tese os números de novos registros médicos. Desde 2009, formam-se mais mulheres médicas do que homens. Naquele ano, elas foram 50,4% dos novos profissionais no mercado de trabalho. Em 2016, último ano analisado, já representaram 54,9%. No Rio de Janeiro, onde somam 50,8% dos médicos, e em Alagoas, com 52,2%, elas já são maioria.

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