“Suicídio é uma epidemia. A própria Organização Mundial de Saúde vem nos alertando desde 2010 sobre a necessidade de os governos manterem atitudes firmes, sérias e eficientes em relação à prevenção do suicídio. Infelizmente, esses parâmetros da OMS nem sempre são atendidos a tempo e a hora”, alertou a psiquiatra Maria Cristina Ramos de Stefano, na abertura da Jornada Multidisciplinar de Saúde do Médico, realizada no último sábado (17), na sede da Associação Paulista de Medicina.

De acordo com pesquisas, o Brasil ocupa a oitava posição no investimento em ações preventivas de saúde pública. “Instituições médicas devem desenvolver estratégias para a prevenção e a detecção precoce dos transtornos mentais e estressores ocupacionais que elevem o risco de suicídio entre os profissionais”, aponta a especialista, editora do livro Suicídio: a epidemia calada, que traz o diário dos três últimos anos de vida de seu filho, Felipe. Aos 34 anos, o artista plástico tirou a própria vida.

Segundo levantamento apresentado pelo palestrante Guilherme Spadini, que é psiquiatra, a prevalência de ideação suicida varia de 8% a 13%. Em última meta-análise mais detalhada, fica em torno de 10% e, na população geral, não fica muito longe disso. De acordo com ele, os casos de suicídio entre estudantes de Medicina na Faculdade de Minas (Faminas) e na FMUSP ultrapassam as estatísticas nacionais.

Pressão, competitividade, exigência elevada, desapontamento, lidar com a morte, desumanização, abuso, excesso de atividades, objetivismo excludente, sentimentalismo tóxico, estigma, débito estudantil e personalidade são as principais causas desses números. “No vestibular, os candidatos à carreira médica são os que mais pontuam em expansividade e afabilidade. Isso é interessante porque são pessoas que vão trabalhar com a saúde humana. Porém, são recompensados por conscienciosidade e neuroticismo, ou seja, quais são os alunos que se dão bem no final? Os mais concorrentes? Isso gera muito sofrimento”, disse.

Medidas assistenciais, preventivas e sistêmicas, sendo esta última vinculada à mudança estrutural da universidade, são os pilares necessários para enfrentar o problema, na opinião de Spadini.

O também psiquiatra e coordenador do evento, Wimer Bottura Junior, complementa: “Com o aumento dos registros de suicídios, nas mais diversas universidades, o assunto tem repercutido fortemente na mídia, na vida das famílias e de nós, professores. Houve um movimento no ano passado dos docentes da escola de Medicina da USP, tendo como resultado o encontro aqui hoje, para estudar, ouvir pessoas e escutar respostas para muitas questões”.

Representando o presidente da APM, o diretor adjunto de Economia Médica, Carlos Alberto Martins Tosta, reiterou a necessidade de se promover reuniões relacionadas à qualidade de vida dos médicos. “Assim como o País enfrenta uma situação deteriorada – com uma profunda crise econômica -, temos também a saúde da nação tentando se reequilibrar. E hoje acrescentamos o debate sobre a saúde da nossa classe, com seus problemas específicos e tão importantes quanto.”

Burnout e dependência química 
Exaustão emocional, despersonalização e decepção conceituam o termo burnout. Em estudantes de Medicina, de acordo com a palestrante Andréa Tenório Correia da Silva, a síndrome traz como consequência a redução da performance e da qualidade assistencial, absenteísmo, aumento do consumo de álcool e drogas, redução da empatia, abandono do curso, depressão, ideação suicida e suicídio.

“A violência no ambiente acadêmico é essencialmente perpetuada por professores e residentes. Temos todo tipo de violência, não só assédio, mas também preconceitos naturalizados. É sempre bom lembrar que a violência tem relação direta com a depressão, o burnout e o suicídio”, disse a pesquisadora, docente do curso de Medicina da FASM e orientadora do Programa de Pós-graduação do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP.

“O burnout é a própria capacidade de um profissional querer controlar as questões, a participação de como o trabalho é organizado e executado. A ‘falta de controle’, de sugerir e de interferir no serviço, leva ao sintoma”, esclarece o psiquiatra Sergio Tamai, diretor Científico do Departamento de Psiquiatria da APM. Entre os médicos, nos EUA, mais da metade é afetada pelo transtorno. No Brasil, 78,4% deles preenchem critérios para burnout, segundo estudos apresentados pelo especialista.

“Em termos de prevenção, o médico precisa desenvolver o hábito de praticar exercícios físicos, relaxamento, praticar voluntariado e outras experiências não relacionadas ao trabalho, passar mais tempo com a família, ter mais habilidades interpessoais e senso de humor”, sugere Tamai.

O estresse profissional e a fadiga crônica acarretam inclusive dependência química. Em casos de abuso de substâncias, segundo o diretor Científico da APM, é importante de fato fazer uma consulta médica, não apenas uma discussão clínica. “Por serem profissionais da Medicina, é mais fácil que compreendam melhor o próprio tratamento. E é preciso conversar com a família.”

No mesmo bloco de debates, o sexologista José Carlos Riechelmann ressaltou na palestra “A queda da libido como processo psicossomático” que o estresse causa ainda a falta de desejo sexual: “90% da agonia de uma pessoa está relacionada a algum problema sexual. Relacionar o sexo na vida é fundamental para a paz interior”.

Dependência, condições trabalhistas e outros temas
Com o tema “Impulsividade nos transtornos psiquiátricos”, o 2º secretário do Comitê Científico de Psicossomática da APM, Alfredo Toscano Junior, explicou que reações rápidas e não planejadas, sem avaliação das consequências e foco naquilo que é imediato em detrimento do longo prazo, são as características de comportamento impulsivo.

São exemplos de transtornos impulsivos o Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), a cleptomania, a piromania, o jogo patológico, a tricotilomania e outros sem especificação (oniomania, dermatotilexomania, compulsão sexual, automutilação e dependência tecnológica).

“Tem-se buscado uma terapia específica, mas sem muito resultado. São mais utilizados tratamentos terapêuticos conhecidos para cada transtorno psiquiátrico. Sempre entendo que depende de cada caso para um resultado efetivo. Alguns medicamentos atuam melhor na impulsividade, e muitas patologias têm uma base comum”, diz Toscano.

Na farmacoterapia, são usados os medicamentos antidepressivos (tricíclicos, ISRS, dopaminérgicos e duais), estabilizadores de humor (lítio, oxcarbazepine e topiramato), antagonista opioide (naltrexona) e antipsicóticos. Em psicoterapia, o tratamento se dá por meio cognitivo-comportamental.

A Jornada Multidisciplinar de Saúde do Médico ainda contou com as discussões “Dependência em Redes Sociais”, por Hemano Tavares; “Introdução às condições de trabalho dos médicos na atualidade”, por Eduardo Costa Sá; e com temas relacionados à carreira profissional: “Telemedicina”, por Chao Lung Wen, e “Remuneração e Futuro do Mercado”, por Pedro Leandro Bertolini.

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