O Supremo Tribunal Federal decidiu, esta semana, que não há direito ao esquecimento no Brasil. A controvérsia a respeito do tema já era antiga no país, pois envolve a necessidade de ponderação entre direitos fundamentais – de um lado, temos o direito à privacidade e intimidade e, de outro, a liberdade de expressão e direito à informação – e ainda carece de regulamentação legal. O direito ao esquecimento consiste na possibilidade de escolha do indivíduo de não ser lembrado por eventos do passado, especificamente situações vexatórias ou embaraçosas, que lhe causem qualquer tipo de sofrimento ou prejuízo, ainda que sejam verídicas. O STF decidiu, desta forma, que a proibição judicial de divulgação de fatos pretéritos sobre determinada pessoa, que digam respeito à sua privacidade e intimidade, configura censura, violando a liberdade de expressão.
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Dra. Laís Silveira

Trazendo uma breve origem histórica do instituto, temos que seu surgimento se deu na França, em 1965, no caso DelleSegret vs. Soc Rome Film. O caso tratava da ex-amante de um serial killer que, após a exibição de um filme que mostrava fatos ocorridos em seu passado, entrou com uma ação judicial buscando indenização. A ação, no entanto, foi julgada improcedente, pois o Tribunal concluiu que a obra era lícita, já que os fatos eram de conhecimento público. Foi apenas anos depois, em 1981, que o Tribunal de Paris superou este entendimento, passando a adotar a possibilidade de aplicação do direito ao esquecimento.

No Brasil, em que pese podermos afirmar que já havia uma prévia introdução constitucional e legal do assunto (pois se trata de uma consequência do direito à vida privada, intimidade e honra, que são assegurados pela Constituição Federal – artigo 5º, X -, e pelo Código Civil – artigo 21), o tema foi reconhecido apenas em 2013, com a edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil da Justiça Federal (CJF). De acordo com o enunciado, o direito ao esquecimento foi incluído como fundamento da dignidade da pessoa humana. No entanto, não há uma previsão específica no ordenamento jurídico brasileiro, que é exatamente o que se buscou com o julgamento pelo STF.

A maior controvérsia a respeito do direito ao esquecimento reside justamente na necessidade de, em um caso concreto, contrapô-lo com a liberdade de imprensa e de expressão, além do direito à informação, para que se chegue a um consenso sobre a viabilidade, possibilidade e utilidade da divulgação do fato. Quando se trata do ambiente digital, então, a questão se complica ainda mais. Isso porque, considerando a velocidade de propagação das informações proporcionada pelo meio virtual, aliada ao crescimento desmedido das redes sociais, os dados e informações armazenados e divulgados ao público são praticamente impossíveis de serem apagados completamente, o que desencadeia uma eternização de fatos pretéritos – ainda que verídicos – que pode prejudicar, emocional e profissionalmente, a vida dos envolvidos, mesmo que anos depois.

Assim, em se tratando de conflito entre direitos e garantias fundamentais, que, em regra, não podem prevalecer um sobre os outros, certo é que o desafio é reunir critérios para que cada caso concreto seja analisado, auxiliando a ponderação para que se chegue à melhor solução. Na última sessão de julgamento, realizada no dia 11 de fevereiro de 2021, o STF, por maioria, apreciando o tema, votou pelo não provimento do recurso extraordinário, indeferindo o pedido de reparação de danos e fixando a seguinte tese de repercussão geral (Tema 786):
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

No entanto, algumas considerações devem ser levadas em conta, mesmo após a decisão pelo Tribunal. Isso porque, não obstante a fixação da tese de repercussão geral reconhecendo a inexistência deste direito no país, certo é que restou determinado que os excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e informação devem ser analisados isoladamente.

Assim, necessário o estabelecimento de critérios para direcionamento do processo de ponderação dos valores. Nesse sentido, o doutrinador Pablo Dominguez Martinez, em sua obra “Direito ao Esquecimento – A proteção da memória individual na sociedade da informação”, propõe novos critérios condicionantes que, quando superados, afastariam o predomínio do direito ao esquecimento, justificando a disponibilização da informação.

De acordo com o autor, o processo de ponderação deve se dar por etapas, devendo todos os critérios, ao final, terem sido superados para haver, de fato, a supressão do direito ao esquecimento e preponderância da liberdade de expressão. São eles: domínio público, preservação do contexto original da informação pretérita, preservação dos direitos da personalidade na rememoração, utilidade da informação e atualidade da informação.

Discorrendo brevemente sobre os cinco critérios:

1. Domínio público: por domínio público entende-se o conhecimento público que tal informação atingiu em certo momento. Caso o fato não tenha atingido conhecimento público, nada justifica a sua divulgação, devendo o esquecimento ser implementado.

2. Preservação do contexto original da informação: em seguida, deve ser observado se o contexto original da informação foi mantido. Isso porque, em se tratando de fatos passados, corre-se o grande risco de má interpretação quando divulgados fora do contexto original, o que pode trazer danos aos envolvidos.

3. Preservação dos direitos da personalidade: deve-se observar, a seguir, se os direitos da personalidade foram preservados na rememoração do fato. É nesta etapa que, efetivamente, a ponderação entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão e direito à informação é realizada. Isso porque os direitos da personalidade – que incluem o direito ao esquecimento – devem ser sempre preservados. No entanto, por estarem em um mesmo patamar de importância no ordenamento jurídico brasileiro, é preciso avaliar até que ponto o exercício de um direito justifica o sacrifício de outro.

Para exemplificar a complexidade deste critério, vale fazer uma comparação entre os dois casos emblemáticos sobre direito ao esquecimento no Brasil, que deram ensejo, inclusive, ao Recurso Extraordinário que culminou no julgamento pelo STF. São os casos da Chacina da Candelária e de Aída Cury, que tiveram julgamentos iniciais diferentes, apesar de tratarem da mesma matéria.

O primeiro caso (REsp 1.334-179-RJ) cuida do episódio da “Chacina da Candelária”, que aconteceu em 1993 no Rio de Janeiro. Um dos envolvidos, inocentado dos crimes, ajuizou ação indenizatória após ter o fato veiculado, treze anos depois, em um documentário exibido em rede nacional, mais precisamente o programa “Linha Direta-Justiça”, produzido pela Rede Globo. Neste caso, concluiu-se que a violação ao direito ao esquecimento consistiu na divulgação do fato histórico sem a devida proteção ao personagem que havia sido investigado e inocentado dos fatos a ele imputados. Assim, caso tivesse sido feita com a preservação do nome e a fisionomia do inocentado, não haveria violação alguma.

Já o segundo caso (REsp 1.335-153-RJ), trata de ação ajuizada por familiares da vítima de um homicídio de repercussão nacional ocorrido em 1958, que, após exibição de documentário, também no programa “Linha Direta-Justiça”, divulgando, mais de cinquenta anos após o fato, nome e imagem da vítima, sem o seu consentimento, retomou lhes grande dor e sofrimento, por relembrarem o ocorrido. No entanto, por ter sido um crime com repercussão nacional em que a vítima se tornou elemento indissociável do fato, concluiu-se que não haveria outra maneira de divulga-lo, que não expondo o nome dela. Assim, em que pese ser reconhecido que a vítima e seus familiares têm direito ao esquecimento de fatos passados que lhe causem qualquer tipo de dor ao serem relembrados, em se tratando de crimes históricos, há que se levar em consideração a impossibilidade de divulgação com a dissociação do nome da vítima, se sobrepondo, nesse caso, o direito à informação e à liberdade de expressão sobre o direito ao esquecimento.

Por este motivo o critério de preservação dos direitos da personalidade é o mais complexo, já que exige uma ponderação caso a caso e, mesmo quando a matéria a ser analisada parece igual, as conclusões podem ser totalmente opostas, a depender de várias circunstâncias específicas. No entanto, mesmo que ultrapassado, vale lembrar que os critérios seguintes também devem ser superados para que haja supressão do direito ao esquecimento.

1. Utilidade da informação: nesta etapa, há que se fazer uma diferenciação entre efetivo interesse público e curiosidade pública sobre o fato a ser divulgado. Uma informação é útil quando o fato é limitado às suas faces externas, sem invadir a privacidade ou vida privada dos envolvidos, tendo caráter educativo ou informativo, sempre respaldado em sua veracidade. Caso, pelo contrário, se reduza à especulação ou boato, a utilidade fica afastada.

2. Atualidade da informação: é o critério mais difícil de ser analisado, pois visa impedir que os fatos sejam rememorados eternamente, sem qualquer limite temporal. Segundo o doutrinador, toda e qualquer informação tem prazo de validade, e a ação do tempo acaba por refletir no interesse público e na importância e relevância da divulgação daquela informação. Assim, temos que o passar do tempo pode transformar uma informação útil em desnecessária, já que a sociedade está em constante mutação e a divulgação do fato se torna irrelevante.

Ao meu ver, tal etapa é crucial para a solução da controvérsia. Há que se estabelecer um limite de tempo para que as informações sejam divulgadas.

Voltemos aos casos emblemáticos expostos acima. Conforme observado, aos familiares de Aída Cury, inicialmente não foi concedido direito ao esquecimento, prevalecendo o direito à informação e a liberdade de expressão, pela impossibilidade de dissocia-la do crime divulgado. No entanto, se analisarmos o caso sob a ótica dos últimos critérios, a conclusão que se chega é que não há utilidade nenhuma na divulgação desta informação, pois, passados mais de cinquenta anos desde a sua ocorrência, mesmo sendo um crime de repercussão nacional, nova divulgação do fato somente alimentará a curiosidade do público, trazendo à tona, consequentemente, todos os sentimentos ruins dos envolvidos, que inevitavelmente relembrarão o ocorrido.

Aos critérios propostos pelo autor, seria interessante acrescentar a autorização dos envolvidos na divulgação do fato. Em que pese se tratar de um direito da personalidade, certo é que a questão envolve sentimentos que podem perturbar alguns, mas não a outros. Assim, poderiam os envolvidos ou seus familiares autorizarem a nova divulgação do fato, mesmo anos depois, caso julguem que isso não os trará sofrimento.

Vê-se, portanto, que o estabelecimento de critérios específicos para a ponderação entre os direitos é essencial para que cheguemos a uma solução para a questão, que há muito tempo existe no país, evitando abusos por parte dos veículos midiáticos, mas possibilitando, por outro lado, o exercício da liberdade de expressão, com os limites que lhe são impostos.

BIBLIOGRAFIA:

MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao Esquecimento – A proteção da memória individual na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

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