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Pensão para crianças atingidas pelo Zika Vírus viola garantias constitucionais dessa população, aponta PFDC

Medida fere isonomia no tratamento a meninas e meninos impactados pela doença, além de privar suas famílias do efetivo acesso à justiça, entre outras inconstitucionalidades

A Medida Provisória 894/2019 – que prevê a concessão de pensão especial, de caráter indenizatório, às crianças acometidas pela microcefalia decorrente do Zika – não traz isonomia no tratamento a meninas e meninos atingidos pela Síndrome do Zika Vírus no país, além de privar suas famílias do efetivo acesso à justiça, entre outras inconstitucionalidades.

Medida fere isonomia no tratamento a meninas e meninos impactados pela doença, além de privar suas famílias do efetivo acesso à justiça, entre outras inconstitucionalidades zika
Medida fere isonomia no tratamento a meninas e meninos impactados pela doença, além de privar suas famílias do efetivo acesso à justiça, entre outras inconstitucionalidades

O posicionamento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, e consta em uma Nota Técnica encaminhada nesta terça-feira (8) ao Congresso Nacional como subsídio à análise da MP, que foi encaminhada à Casa em setembro, pelo governo federal.

Na Nota Técnica a Procuradoria dos Direitos do Cidadão destaca que a pensão vitalícia de caráter indenizatório estabelecida pela MP 894 é de importância inegável, visto representar o reconhecimento do Estado brasileiro de que houve falha na prevenção de doenças causadas pelo mosquito Aedes Aegypti, dentre elas a Síndrome Congênita do Zika vírus.

O texto da Medida Provisória, no entanto, falha ao estabelecer que apenas crianças que desenvolveram microcefalia terão acesso ao benefício, pois deixa de fora todos os demais os casos de crianças vítimas da Síndrome do Zika Vírus que, apesar de não apresentarem microcefalia, adquiriram outros agravos severos – tais como a hidrocefalia e convulsões muito frequentes.

“Ao restringir o universo de beneficiários da pensão somente às crianças com microcefalia, a MP 894 ofende o princípio da isonomia, pois nem todas as portadoras da Síndrome do Zika desenvolvem a microcefalia propriamente dita. Isso não quer dizer que não sofram de outras má formações igualmente graves e incapacitantes, que exigem medicamentos de alto custo e fisioterapia especializada – insuportáveis para a maioria das famílias”, ressalta a PFDC.

No documento aos parlamentares, a Procuradoria também chama atenção ao fato de que a Medida Provisória estabelece que a pensão será destinada apenas a crianças “nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2018”.

Ocorre, no entanto, que há meninos e meninas afetados pelo doença que nasceram fora desse intervalo temporal. “Mesmo entre os cientistas, há controvérsias quanto à data na qual o vírus começou a circular no Brasil, não sendo possível, portanto, fixar um termo inicial, pois pode haver casos ainda não identificados que venham a ser revelados”.

Os problemas no marco temporal estabelecido pela MP para a concessão do benefício também se refere à data final de 31 de dezembro de 2018. Isso porque o último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, confirmou 59 casos de gestantes contaminadas pelo Zika vírus no ano de 2019. Somente no estado de Pernambuco, duas crianças foram confirmadas com Síndrome do Zika vírus e, na Bahia, três.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão lembra que, em 1982, ao estipular pensão indenizatória vitalícia às pessoas acometidas pela Síndrome da Talidomida (Lei n° 7.070), o Estado brasileiro não impôs um intervalo de tempo determinado quanto ao nascimento dos beneficiários.

“A Constituição da República preconiza o tratamento isonômico aplicado a todos indistintamente e estabelece, dentre seus objetivos, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, destaca a Nota Técnica.

Outra inconstitucionalidade presente na MP 894 diz respeito a trecho que consta em seu art. 1º e segundo o qual o reconhecimento da pensão ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha o reconhecimento da Síndrome de Zika vírus como objeto.

“O direito de acesso à prestação jurisdicional é elemento essencial ao Estado Democrático de Direito. Sem a garantia efetiva de acesso à Justiça, a proclamação de todos os demais direitos tornar-se-ia mera peça retórica, pois o cidadão não teria como protegê-los diante da sua violação, sobretudo quando esta fosse perpetrada pelo próprio Estado”, aponta a PFDC ao ressaltar que normas legais que criam embaraços e obstáculos para o acesso à Justiça afrontam gravemente a Constituição.

O texto da MP também viola preceitos constitucionais ao definir que a concessão da pensão especial se dará em substituição ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e proibir que com ele seja acumulada – estabelecendo, portanto, mera substituição do benefício pela pensão.

“Se a pensão especial tem cunho indenizatório e, portanto, é medida que tem em conta a negligência estatal e se propõe a superar o quadro de desigualdade por ela gerado, ela deve alcançar todas as crianças portadoras de referida moléstia, independentemente da situação financeira da família respectiva. Sua natureza, insista-se, é absolutamente distinta do BPC, de caráter assistencial, e não o substitui”, aponta a PFDC.

Desigualdades na ocorrência do Zika
No documento aos parlamentares, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão chama atenção para o perfil marcante de desigualdades sociodemográficas e geográficas na ocorrência da Síndrome do Zika Vírus no Brasil.

Dados oficiais do Ministério da Saúde contabilizam 3.226 crianças nascidas no país entre 2015 e 2018 com alterações no crescimento e no desenvolvimento, possivelmente causadas pelo vírus Zika. Mulheres negras, nordestinas, pobres e, em grande parte, abandonadas pelos companheiros, são o perfil mais comum das mães que enfrentam as necessidades de crianças acometidas pela moléstia.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que, entre o ano 2000 e 2014 foram registrados no Brasil 2.464 nascidos vivos com microcefalia, o que corresponde a uma média de 164 casos por ano. Em 2015, as ocorrências chegaram a 1.608, um aumento de nove vezes em relação à média dos cinco anos anteriores. Dentre esses casos, 71% eram filhos de mães residentes na região nordeste; 51%, de mães com até 24 anos de idade; 77% de mãe com cor da pele preta ou parda; e 27% de mães com menos de oito anos de escolaridade.

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