Em junho deste ano, a imprensa noticiou que cerca de 105 mil pessoas em situação de rua foram abordadas por assistentes sociais do município durante 2018.

O número, 88% maior do que em 2015 (naquele ano, 56 mil pessoas foram abordadas), não corresponde à efetiva quantidade de “moradores” de rua: estes eram 15 mil em 2015 e, segundo o atual secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, José Castro, devem estar na casa dos 25 mil.

Ou seja: a população flutuante é três vezes maior do que a quantidade de pessoas que de fato vivem nas ruas por absoluta falta de opção. Dentre os sem-teto “ocasionais”, há desempregados que não tiveram mais como pagar aluguel e foram despejados; homens, mulheres e, principalmente, jovens e crianças que até teriam uma casa para onde voltar, mas optam pelas ruas para escapar de situações conflituosas; vítimas de transtorno mental ou dependência química, que poderiam estar sob tratamento, mas se encontram em situação de vulnerabilidade; e brasileiros de outras regiões que vêm para a capital paulista em busca de empregos, tratamento de saúde e outros atendimentos, mas acabam não conseguindo pagar por moradia.

Para essas pessoas – tanto as que “se fixaram” nas ruas, se é que se pode dizer isso, quanto aquelas que estão, ou pretendem estar, apenas momentaneamente sem teto –, os cães desempenham múltiplos papéis. Eles são parceiros de trabalho, encarregados de proteger o valioso carrinho de recolher sucata durante o sono de seus tutores. São garantidores da integridade física dos humanos pelos quais zelam. E, muitas vezes, representam a única fonte de afeto para quem já foi esquecido pelos próprios semelhantes.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) costuma estimar o número de cães de uma determinada região em 10% da população humana. De acordo com o último censo demográfico disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 11.253.503 habitantes na capital paulista. Pelas contas da OMS, existem 1.125.350 cães na cidade.

Se 25 mil pessoas vivem em situação de rua, cerca de 2,5 mil cães são seus companheiros. Se considerarmos também a população flutuante, os 105 mil indivíduos sem teto convivem com 10,5 mil parceiros caninos.

Está claro, portanto, que um enorme contingente de pessoas e animais vive em situação de extremo risco na cidade mais rica do País. E todos precisam do amparo estatal.

Estender a proteção social a humanos e não-humanos é um dever do qual o Poder Público não pode se omitir. Em primeiro lugar, porque tratar seres vivos como se fossem descartáveis – sugerindo, por exemplo, que pessoas sem-teto abandonem seus animais nas ruas para adentrarem sozinhas nos abrigos – é uma atitude cruel e inaceitável. Há muitos relatos de pessoas que se recusaram a ir para os abrigos da Prefeitura em noites frias porque não poderiam levar consigo os seus animais.

Em segundo lugar, proteger os animais é uma obrigação do Estado. O artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição de 1988, estabelece que incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Qualquer política pública séria, que efetivamente pretenda solucionar a questão dos sem-teto, precisa incluir os cães na equação. Ignorá-los é desumano.

Silvana Andrade é jornalista, ativista pelos animais e presidente da Agência de Notícias de Direitos Anmais (ANDA)

Leia também:
Casa Rais passa a oferecer pernoite para pessoas em situação de rua em Itapetininga

Comente